2. Shigeru Miyamoto fala sobre a Virtual Boy

Iwata:

Na verdade, antes de falarmos sobre a Nintendo 3DS, gostaria de falar da Virtual Boy.3 3 Virtual Boy: Uma consola de videojogos doméstica lançada em 1995 no Japão. Os utilizadores olhavam para um binóculo com um ecrã no interior e jogavam jogos apresentados em imagens 3D..

Itoi:

Virtual Boy!

Iwata Asks
Miyamoto:

Uau. (risos)

Iwata:

Em 1995, quando a Virtual Boy saiu para o mercado, eu ainda não trabalhava na Nintendo mas um dia, quando visitei a Nintendo, o presidente da altura, Yamauchi, disse que a Nintendo havia feito algo que queria que eu visse. Era a consola Virtual Boy. Estavas comigo, Itoi-san.

Itoi:

Oh, a sério? (risos)

Iwata:

A Virtual Boy foi, penso eu, um fracasso comercial. Normalmente penso que teria sido compreensível se a Nintendo tivesse experienciado uma espécie de trauma em relação ao género 3D em geral. Mas a Nintendo continuou a fazer tentativas na tecnologia 3D. E poderia dizer-se que essas tentativas deram finalmente frutos. Acho que essa é uma progressão interessante de tópicos.

Itoi:

Boa introdução! (risos) Imagino que Miyamoto-san tenha uma perspetiva única sobre isso.

Miyamoto:

Suponho que sim. Mas…é complicado. (risos)

Iwata:

Na altura, estava próximo da empresa mas não deixava de ser um intruso. Mas Miyamoto-san trabalhou nela.

Itoi:

É complicado?

Miyamoto:

Sim. (risos) Bem, no que diz respeito à minha posição, eu não desempenhava um papel fulcral. E isso também é um pouco complicado.

Itoi:

Oh, certo. Foi (Gunpei) Yokoi-san.4 4Gunpei Yokoi (1941-1997): Na Nintendo desempenhou um papel fulcral no desenvolvimento de produtos como os jogos eletrónicos Game & Watch, a consola portátil Game Boy, o R.O.B. (Robotic Operating Buddy), e o jogo Dr. Mario.

Miyamoto:

Certo.

Iwata:

Fulcral no desenvolvimento de Virtual Boy foi Gunpei Yokoi, o pai da Game Boy.

Miyamoto:

Vejamos… Para começar do início, na altura eu interessava-me bastante pela realidade aumentada, e era um dos membros do staff que falava imenso sobre como deveríamos fazer algo com óculos 3D. Não cheguei a torcer-lhe o braço mas falava a Yokoi-san do interesse dos óculos 3D.

Itoi:

Pois.

Miyamoto:

Mas quando começaram mesmo a trabalhar na Virtual Boy, eu estava ocupado com o desenvolvimento da Nintendo 64.5 5 Nintendo 64: Uma consola de videojogos doméstica lançada em junho de 1996 no Japão. Foi lançada na Europa em março de 1997.

Iwata:

A Virtual Boy e a Nintendo 64 estavam a ser desenvolvidas ao mesmo tempo.

Miyamoto:

Certo. Outra coisa complicada é que os gráficos 3D eram um tema importante para a Virtual Boy e a Nintendo 64. O resultado poderia ter sido diferente se os dois dispositivos tivessem partilhado a sua tecnologia mas tinham objetivos diferentes. Se pensares na Nintendo 64 como feita para confrontar a 3D de cabeça, a Virtual Boy usava tecnologia diferente para se destinar ao usufruto das três dimensões sem se apressar para a direção geral que o 3D estava a seguir naquela altura.

Iwata Asks
Itoi:

OK, compreendo.

Miyamoto:

Para ser mais concreto, a Virtual Boy destinava-se a usar modelos “wire frame”6 para simular um espaço em 3D. Se pensares no poder dos CPU dessa altura, faz sentido. Mas não havia muitos jogos a usar esse método de representação visual. A maioria alinhava imagens em 2D a diferentes profundidades para criar um efeito tridimensional. 6“Wire frame”: Uma forma de atingir gráficos tridimensionais. Usa apenas linhas para representar espaços e objetos tridimensionais.

Itoi:

Certo.

Miyamoto:

Na altura, quando estava a trabalhar na Nintendo 64, parte de mim pensava se podíamos usar “wire frames” para renderizar gráficos 3D, mas pensei também que as imagens em “wire frame” não eram nada apelativas.

Itoi:

(risos)

Miyamoto:

Se tivesse sido só o caça em “wire-frame” a aparecer em Mario e outras personagens icónicas nunca tivessem aparecido, isso seria triste. Mas se só mudasses a profundidade de uma imagem em 2D de Mario, isso não transmitiria o verdadeiro interesse da Virtual Boy. Então a consola Virtual Boy foi uma questão complicada.

Iwata:

De qualquer forma, os efeitos visuais pretos e vermelhos estavam em desvantagem nessa altura em que os gráficos para videojogos estavam a ficar cada vez mais ricos.

Miyamoto:

Sim. Mas via a Virtual Boy como um brinquedo divertido.

Itoi:

Uh-huh.

Miyamoto:

Era o tipo de brinquedo que te entusiasmava e te fazia pensar “É isto que podemos fazer agora!” Imaginei-a como algo que as pessoas que procuravam novas formas de entretenimento ou que tinham mais dinheiro para gastar poderiam comprar e apreciar mesmo que fosse um pouco cara. Mas o mundo tratou-a como a sucessora da Game Boy.

Itoi:

Até tem a palavra “boy” no nome.

Miyamoto:

Isso também acontecia na Nintendo. O nosso departamento comercial tratava a Virtual Boy como uma extensão do nosso negócio de licenças. Ou seja, vendemo-la como a consola Famicom.

Itoi:

Compreendo.

Miyamoto:

E quando fazes isso, vender 100 mil é apenas o começo. Mas se pensares nela apenas como um brinquedo divertido, já é um grande sucesso se conseguires 50 mil. Se as vendas gerassem burburinho e ultrapassassem as 100 mil cópias, depois as 200 mil e depois as 500 mil, isso seria um bom padrão. Visto assim, a Virtual Boy era, penso eu, um brinquedo bastante apelativo. Para as pessoas que o vissem assim, acho que continuaria a ser um produto apelativo. Mas se a colocares em primeiro plano e pensares no negócio das licenças...

Iwata:

Por outras palavras, se pensares nela como uma plataforma de videojogos...

Miyamoto:

Certo. Quando pensas nela como uma plataforma de videojogos, torna-se um fracasso.

Itoi:

Não havia forma de a Nintendo lhe escapar. Todos assumem que quando a Nintendo lança uma máquina, deve ser uma plataforma de videojogos ao máximo.

Miyamoto:

Sim, é inevitável. É essa a razão pela qual, nessa altura, achei que seria extremamente importante transmitir isso devidamente, incluindo anúncios e coisas do género destinados a demonstrar que não era uma plataforma propriamente dita.

Iwata:

Mas não eras um jogador central nesse dispositivo por isso não podias dizer nada.

Miyamoto:

Não tinha autoridade.

Itoi:

Eu, inclusivamente, chegaria a afirmar que não se teria passado nada se não se tivesse lançado jogos para Virtual Boy durante muitos anos, já que teria continuado a ser um jogo divertido.

Miyamoto:

Achei que seria divertido o suficiente se existissem cinco jogos bons. O cenário ideal teria sido as coisas atingirem o ponto de criar o seu próprio mercado tornando-se na titular de uma licença.

Itoi:

Hmm. Estou a ver.

Miyamoto:

Outro grande problema era o aspeto que apresentava quando jogavas. Eu próprio me esforcei por fazer algo do género mas estás sempre assim, a observar através da Virtual Boy…

Itoi:

Sim, não é muito bom.

Miyamoto:

Achei que teríamos de a tratar como um produto de nicho.

Itoi:

Suponho que sim. Teria sido uma tarefa difícil fazer um anúncio que o fizesse parecer um espetáculo!

Iwata:

(risos)

Miyamoto:

A Virtual Boy tinha duas grandes tarefas a desempenhar, e veio ao mundo sem ter concretizado nenhuma delas. Não é que a máquina em si fosse um produto errado, o problema estava na forma como a representávamos.

Itoi:

Não sei bem como dizê-lo mas era impossível fazer com que a Virtual Boy permeasse o quotidiano. Dito de outra forma, os produtos da Nintendo constituíam entretenimento que tinha sempre conseguido entrar no dia-a-dia das pessoas. Não há nada de especialmente estranho na forma como se vê a Virtual Boy como um brinquedo algo invulgar de que podes desfrutar sem ser no dia-a-dia mas quando alinhado com outros produtos da Nintendo, imagino que não encaixasse bem.

Iwata Asks
Iwata:

Suponho que não. Se pensares nisso, quando a Famicom alcançou o sucesso com Super Mario Bros.7, dizia-se que causava impacto nas vidas das pessoas em casa. Quando os irmãos e outros membros da família lutavam pelo comando, suponho que fazia parte da vida quotidiana. 7Super Mario Bros.: Um jogo de ação lançado para a Family Computer (Famicom) em setembro de 1985 no Japão. Foi lançado na Europa em maio de 1987 para a Nintendo Entertainment System.

Itoi:

Certo.

Iwata:

E, nos últimos anos, a Nintendo tem-se preocupado cada vez mais com a penetração na vida quotidiana, com a Nintendo DS e a Wii, o que faz a Virtual Boy parecer ainda mais inadequada.

Miyamoto:

Mas há muito tempo atrás fazíamos coisas inadequadas.

Itoi:

Sim, como o Love Tester8 , por exemplo. 8Love Tester: Um brinquedo lançado em 1969. Lançado como uma máquina que determinava a compatibilidade medindo a quantidade de corrente elétrica que passava pelas pessoas de mãos dadas.

Iwata:

O Love Tester não se enquadra bem na sala de estar da família. (risos)

Miyamoto:

E o Automatic Ultra Scope.9 9Automatic Ultra Scope: Lançado em 1971. Um brinquedo modelado segundo o periscópio. O periscópio funciona a eletricidade e estende-se e recolhe-se.

Itoi:

E aquela coisa que parecia uma máquina de lançar bolas…

Iwata:

A Ultra Machine.10 10Ultra Machine: Lançado em 1968. Uma máquina de lançamento de bolas dentro de portas que disparava bolas de ténis de mesa que pudessem ser batidas com um bastão de plástico. Também eram usadas bolas curvadas especiais.

Itoi:

Se pensares na Virtual Boy como uma extensão desses brinquedos, poderia dizer-se que se enquadra na linha de produtos da Nintendo.

Miyamoto:

Também acho que sim. É por isso que penso que teria sido ideal se tivesse começado como brinquedo e depois tivesse evoluído para uma plataforma de videojogos. Contudo, desde a Famicom que as pessoas tendiam a associar as consolas da Nintendo com o negócio das licenças.

Itoi:

Dito de outra forma, há certas coisas que se esperam dela.

Miyamoto:

Sim, como uma indústria. (risos)

Itoi:

Por outras palavras, a Nintendo é uma empresa que, quando acerta, vende dez milhões ou algo do género. Se não vender tanto, é considerado um fracasso.

Miyamoto:

Que duro! (risos)

Iwata Asks
Itoi:

Bem, estamos a falar muito sobre a Virtual Boy!

Miyamoto:

Pode ser? (risos)

Iwata:

Foi muito interessante. Agora avancemos.