1. A criação de jogos que constrem pontes

Miyamoto:

O quê? Sou a única pessoa a ser entrevistada hoje?

Iwata:

Sim

Miyamoto:

Onde está o produtor, o Sr. Aonuma?1 Na verdade, há mais do que um produtor por trás do Link’s Crossbow Training para além do Sr. Aonuma. 1 Eiji Aonuma esteve envolvido em The Legend of Zelda: Ocarina of Time, e nos títulos posteriores da Série Zelda. Está ligado à Divisão de Análise e Desenvolvimento da Nintendo Co., Ltd.

Iwata:

O Sr. Tezuka2 também é um produtor, certo? 2 Takashi Tezuka esteve envolvido no desenvolvimento da Série Super Mario, da Série Yoshi, da Série Animal Crossing, e inúmeros outros jogos. É o Director Geral da Divisão de Análise e Desenvolvimento da Nintendo Co., Ltd.

Miyamoto:

Até agora, há muito tempo que o Sr. Tezuka não tinha nada a ver com o Zelda, e eu pensei que seria simplesmente melhor ele estar aqui também, uma vez que eu poderei não ser capaz de responder a todas as tuas perguntas. (risos)

Iwata:

(rindo) Por agora, em vez de falarmos demasiado sobre os pormenores do jogo, gostava de te perguntar: que tipo de imagem tinhas em mente quando criaste o Link’s Crossbow Training?

Miyamoto:

Estou a ver. Bem, por onde hei-de começar? Sempre gostei dos First Person Shooters3 (FPS), jogos 3D em que podemos deambular livremente e ver as coisas do nosso próprio ponto de vista. 3 Os First Person Shooters são um tipo de jogo de tiros em que podemos deambular livremente no espaço a partir do nosso próprio ponto de vista.

Iwata Asks
Iwata:

E qual é o objectivo disso?

Miyamoto:

Penso que é mais confortável, mais natural. Nós somos criaturas de hábitos. Não olhamos para os nossos pés quando andamos, e estamos sempre a tentar apreender desesperadamente a paisagem enquanto vivemos as nossas vidas. Assim, mesmo nesses jogos quero que as pessoas consigam embrenhar-se verdadeiramente na geografia 3D, para sentirem que estão de facto lá, uma vez que penso que é uma coisa verdadeiramente natural conseguir olhar à volta enquanto caminhamos. Quando começámos a desenvolver o Legend of Zelda: Ocarina of Time4, cheguei mesmo a propor usarmos uma perspectiva na primeira pessoa. 4 O Legend of Zelda: Ocarina of Time, parte da Série Legend of Zelda, foi um jogo 3D para a Nintendo 64, e foi lançado em Dezembro de 1998.

Iwata:

Ocarina of Time numa perspectiva na primeira pessoa!?

Miyamoto:

Calculei que isso te pudesse surpreender! (risos) Pensei que o sistema FPS seria a melhor maneira de permitir aos jogadores embrenhar-se no vasto terreno do Hyrule Field. Além disso, não tendo a personagem do jogador no ecrã, podemos gastar mais tempo e potência de processamento na criação de inimigos e dos ambientes.

Iwata:

Durante a era Nintendo 64 tinham que ter em consideração as limitações do hardware, não era?

Miyamoto:

Bem, embora eu tenha originalmente planeado criar um jogo na perspectiva da primeira pessoa, a ideia de ter um Link criança no jogo nasceu e depois tornou-se necessário que o herói fosse visto no ecrã.

Iwata:

Estou a ver. Então, se o herói não é visível no ecrã, é difícil distinguir entre o Link adulto e o Link criança, não é?

Miyamoto:

Isso, e também o facto de ser um desperdício total não ter o Link visível no ecrã quando ele tem tão bom aspecto! (risos) Assim, pelas razões que acabei de mencionar decidimos ter o herói visível em Ocarina of Time, mas eu sempre pensei que os jogos FPS que podemos controlar do nosso próprio ponto de vista eram verdadeiramente interessantes, por isso apoiei pro-activamente o avanço de projectos como o jogo 007 Goldeneye5. 5 Golden Eye 007’, um jogo de acção para quatro jogadores com capacidades 3D, foi lançado para a Nintendo 64 em Agosto de 1997

Iwata:

Embora haja pessoas como o Sr. Myamoto, que acham que estes jogos FPS são verdadeiramente divertidos, há, por outro lado, pessoas que acham que os jogos FPS são demasiado difíceis. Penso que bastantes japoneses pensam isso – porque é que achas que isso acontece?

Miyamoto:

Na verdade não sei mesmo qual poderá ser a razão.

Iwata:

Eu não partilho dessa opinião mas há quem diga que os japoneses e os ocidentais teriam capacidades diferentes no que toca a apreender os jogos 3D, uma vez que os povos que eram tradicionalmente caçadores teriam um melhor entendimento da utilização do espaço, enquanto os povos que eram tradicionalmente agricultores não o teriam.

Miyamoto:

Sendo assim os meus antepassados devem ter sido caçadores (risos). Mas não me interpretes mal, não sou na verdade um especialista em jogos FPS. Podemos ser derrotados num segundo, mas acho-os verdadeiramente divertidos.

Iwata:

Parece que estás sempre sintonizado com o que consideras agradável.

Miyamoto:

Ha ha! Sim, consegues ler-me como um livro!

Iwata:

Por exemplo, a ideia do Wii Fit nasceu porque achava o simples acto de te pesares todos os dias agradável, e de forma semelhante, a criação do jogo no género FPS foi uma reacção ao teu sensor interno que te disse que isso seria divertido.

Iwata Asks
Miyamoto:

Se há algo simples que alguém pode considerar agradável, a mesma alegria pode ser experienciada por qualquer pessoa na Terra, penso eu. É isso que eu tenho sempre presente quando crio jogos. Por exemplo, quando estávamos a trabalhar no Wii Sports, os americanos estavam sempre a dizer-me que de forma nenhuma jogos tão simples venderiam nos Estados Unidos. Mas quando o Wii Sports começou finalmente a ser vendido, os jogos pareceram ter ainda mais impacto nos EUA do que tiveram no Japão. Quando vemos um fenómeno como este acontecer mesmo à nossa frente, começamos a ver que na verdade não existe qualquer diferença no que os asiáticos ou os ocidentais consideram agradável.

Iwata:

Assim, para mostrar a muitas pessoas diferentes o quão divertidos os jogos FPS são criou o Link’s Crossbow Training.

Miyamoto:

Certo.

Iwata:

Consigo compreender porque é que dizes que quiseste expor mais pessoas aqui no Japão a jogos FPS, mas o jogo foi lançado nos EUA, onde já há muitas pessoas que gostam de jogos FPS, não é?

Miyamoto:

Bem, mesmo nos EUA, como no Japão, há pessoas que costumavam gostar de jogos, mas que já não jogam, ou simplesmente não jogam jogos FPS.

Iwata:

Eu ouvi seguramente um jornalista americano com quem falei a dizer-me que estava cheio de dificuldades em jogar jogos FPS (risos).

Miyamoto:

Bem, em primeiro lugar os jogos FPS eram originalmente jogos de tiros. Não podíamos andar, jogávamos numa superfície nivelada, e penso que muitas pessoas gostavam verdadeiramente desse estilo de jogo.

Iwata:

Na altura, não tinha nada a ver com a idade; tanto os miúdos como os adultos apreciavam estes jogos de tiros. Algumas pessoas até se lembravam daqueles jogos de tiro ao alvo que costumavam jogar nas feiras.

Miyamoto:

Mesmo quando vamos a um parque de diversões hoje em dia encontramos jogos de tiro ao alvo. Têm muitas vezes algum cenário de Oeste Selvagem onde os inimigos se escondem atrás de uma pedra e disparamos contra um alvo. Parece verdadeiramente simples, mas quando experimentamos vemos que é divertidíssimo. Mas o mundo dos jogos tornou-se cada vez mais complexo até chegar ao ponto em que as pessoas já não o vêem como sendo acessível.

Iwata Asks
Iwata:

Durante a era Nintendo 64, quando Golden Eye 007 saiu, mesmo no Japão pareceu haver sintomas que indicavam a provável disseminação do género FPS. Mas embora a popularidade desses jogos tenha começado a atingir o seu pico nos EUA pouco tempo depois disso, penso que não houve ainda assim muita evolução no Japão entre as pessoas que gostam de jogar videojogos.

Miyamoto:

Nos EUA, vários tipos de jogos FPS criados para PCs começaram lentamente a ser lançados em consolas para casa. Contudo, no Japão, não tinha havido qualquer base para jogos estilo FPS, e os jogos avançados começaram simplesmente a surgir subitamente. Penso que era responsabilidade nossa continuar a lançar jogos FPS divertidos para manter o público envolvido e interessado...

Iwata:

Há uma diferença verdadeiramente grande entre os jogos de tiros simples e os jogos FPS avançados, não há? Penso que embora muitas pessoas considerem os jogos FPS muito divertidos, muitas têm uma imagem de que é muito difícil ultrapassar a diferença de dificuldade entre os dois.

Miyamoto:

Sim, e eu senti mesmo que havia espaço para um jogo que ultrapassasse essa diferença, e foi por isso que criei o Link’s Crossbow Training. Uma vez que usamos o Comando Wii para apontar, é uma forma muito confortável de jogar um jogo FPS.

Iwata:

Só por curiosidade, e uma vez que não há qualquer razão para estar a estudar inglês ou a treinar o cérebro, porque é que usaste a palavra inglesa “training” no título?

Miyamoto:

(Risos) Porque algo como “Link’s Crossbow Classroom” soa um pouco esquisito, não te parece? Já que é uma espécie de introdução aos jogos FPS, originalmente pensámos em chamar-lhe “Introduction to Wii Zapper”, mas depois decidimos que as pessoas podiam confundi-lo com o “Introduction to Wii” (Introduction to Wii é o título japonês para o Wii Play), e não queríamos que isso acontecesse. Da mesma maneira, se lhe tivéssemos dado um nome como “The Legend of Zelda: Phantom Crossbow”, daria a ideia de que era uma sequela em grande escala da Série Zelda, e também não queríamos que fosse interpretado erroneamente como tal. Foi por isso que, no final, optámos por colocar “training” no título.

Iwata:

Quando ouço uma história como essa, fico com uma ideia concreta sobre a profundidade do mundo dos jogos.

Miyamoto:

Bem, isso seria de esperar vindo dos criadores de Zelda (risos).