3. Vimos algo nunca antes visto

Iwata:

Morimura-san, obrigado por esperares. Já agora, foste um dos primeiros membros do “User base Expansion Project”11, não foste?

11 O User Base Expansion Project é um projecto transversal a todos os departamentos da Nintendo que começou com o lançamento da DS. Os membros foram escolhidos numa série de departamentos de desenvolvimento e trocaram ideias sobre software para expandir a população de jogadores.

Morimura:

Sim. Nessa altura fazia parte do Departamento de Análise e Desenvolvimento de Entretenimento, mas nesse projecto havia representantes de todos os tipos de departamentos dentro da empresa, e havia também pessoas de departamentos não relacionados com o desenvolvimento de software, por isso aprendi que havia todos os tipos de perspectivas sobre o tema.

Iwata:

Foi a partir desse projecto que o modelo original para “Brain Training” e a palavra-chave “Brain Age” emergiram. Morimura-san foi um membro da equipa que sugeriu que eu considerasse fazer o Brain Training na DS. Após isso, foi transferido para o Network Service Development Department, e este é o teu primeiro projecto aí. Como é que pensaste inicialmente que irias juntar tudo?

Morimura:

Quando me juntei a este projecto, o modelo básico para o medidor de actividade estava relativamente terminado, por isso comecei a pensar sobre que tipo de coisas poderíamos fazer com o software usando o medidor de actividade que eles tinham construído.

Iwata Asks
Iwata:

Quando falas no medidor de actividade, refere-se ao modelo tipo cartucho, certo?

Morimura:

Exacto. O primeiro que construíram. Por isso pensei que devia adicionar algumas formas divertidas de jogar que não se encontram em pedómetros normais e que são características da Nintendo. Por isso juntámos toda a gente, a pensar em planos e a construir todos os tipos de protótipos.

Iwata:

Nessa altura o medidor de actividade não tinha um nome e era conhecido pelo código de desenvolvimento “DHC”. Não o soube durante muito tempo, mas afinal DHC é uma abreviatura de “DS Hosuukei (Pedómetro) Cartridge”. (risos)

Morimura:

É verdade. O software tinha o título de trabalho “Mii Walk”. Pensei que as personagens Mii (personagens que se parecem connosco) funcionariam muito bem com este software. Pensei que se conseguíssemos pôr um Mii no ecrã como nosso próprio duplo conseguiríamos sentir uma ligação ao nosso estilo de vida real. Como caminhamos todos os dias, a nossa contagem de passos total vai aumentando gradualmente, e eu pensei que devíamos ser capazes de usar isso para fazer algo divertido.

Iwata:

Então que tipo de coisas conseguiremos fazer à medida que a contagem de passos aumenta?

Morimura:

Por exemplo, à medida que andamos mais em cada dia o nosso Mii no jogo poderá ir a vários locais em todo o mundo e deixar um monumento lá. Esta funcionalidade ainda se encontra na versão terminada, e eu tinha pensado que este mapa do mundo que construímos ao andar se poderia tornar a peça central do jogo, mas...

Iwata:

Não foi a peça central.

Morimura:

Não, Iwata-san disse que deixar simplesmente monumentos pela Terra não daria motivação suficiente para continuar todos os dias. Tive bastante trabalho a tentar encontrar uma boa solução.

Shimomura:

Por outro lado, o medidor de actividade estava praticamente terminado, por isso pensei que por agora mandaria os membros do conselho levar o produto para casa como estava e ouviria as suas opiniões sinceras sobre ele.

Iwata:

Disseram-me para levá-lo para casa. No final do ano passado. (risos) Disseram-me para testá-lo durante as férias de ano novo.

Iwata Asks
Shimomura:

Fizemos uma conferência depois das férias, mas a resposta que obtivemos não foi muito boa. (Shigeru) Miyamoto-san12 disse que não era claro o que o software estava a tentar fazer.

12 Shigeru Miyamoto é o Senior Managing Director of Nintendo Co. Ltd. É o criador de Mario

Iwata:

A resposta de todos os que o testaram relativamente ao hardware foi muito boa. Mas disseram que devíamos ser capazes de fazer algo mais com o software. Penso que o “mapa do mundo” em que Morimura-san tinha pensado como peça central é também uma parte da diversão no jogo. Como um jogo para um pedómetro é visual e elegante. Mas é um pouco limitado para funcionar como peça central. Simplesmente não conseguia pensar que iria querer continuar a jogá-lo todos os dias apenas para progredir em torno do planeta. Por isso pensei que, com o jogo assim, a maioria das pessoas não continuaria a jogar todos os dias.

Morimura:

Se pensar sobre isso agora, na altura ainda estava preso ao pensar dentro dos limites dos pedómetros existentes. A base original para o plano era criar um jogo divertido com um pedómetro e eu estava a pensar que à medida que andássemos mais, a nossa contagem de passos aumenta e como resultado deveríamos poder fazer algo divertido.

Iwata:

Por isso lhe chamávamos Mii Walk. O seu Mii caminharia, construindo uma alta contagem de passos e depois recebendo uma recompensa.

Morimura:

Mas a maioria das pessoas não pensa que quer caminhar muito.

Iwata:

Certo. Se não houvesse algo nele que conseguisse reter a atenção das pessoas que não estão interessadas em caminhar muito este jogo não teria grande sucesso. Por isso, quando é que Mizuki se juntou ao projecto?

Mizuki:

Foi precisamente na altura dessa conferência com a reacção não muito boa. Eu estava presente nela, e a ouvir as reacções de toda a gente. Houve algum feedback verdadeiramente ríspido...

Iwata Asks
Iwata:

Pareceu-vos assim tão ríspido? (risos)

Mizuki:

Só um pouco. (risos) Então nessa altura pensei em que é que conseguiríamos fazer, e assim que a conferência terminou fui ter com Shimonura-san e disse-lhe que queria ajudar.

Shimomura:

Mizuki-san é verdadeiramente como um lançador substituto.

Iwata:

Um lançador substituto? Como no basebol?

Shimomura:

Isso mesmo. O lançador inicial, Morimura-san, estava sob grande pressão depois de ter levado com algumas tacadas dos membros do conselho, e não conseguindo aguentar chamou o lançador substituto.

Todos:

(risos)

Mizuki:

Bem, foi mais ou menos assim que acabei por me juntar ao projecto. (risos)

Iwata:

Assim sendo, Mizuki, entrou e qual foi a primeira coisa que fez?

Mizuki:

Primeiro pedi aos membros do meu próprio grupo para experimentar o jogo e fiz algumas afinações usando essas opiniões como referência. Ao mesmo tempo que isso avançava, pensei se haveria uma forma de utilizar os dados dos passos por minuto que Shimomura-san tinha proposto. Iwata-san falou comigo sobre esta funcionalidade várias vezes.

Iwata:

Eu achava que a primeira coisa que queria ver quando chegasse a casa e enviasse os dados do meu pedómetro para a minha DS era os dados de passos para cada minuto. Mas com o protótipo que levei para casa no Ano Novo, isso estava profundamente enterrado no menu, como se fosse tratado apenas como uma funcionalidade extra.

Mizuki:

Nessa altura não estava nas especificações sermos capazes de vê-lo imediatamente. Mas, em Fevereiro, a Maratona de Tóquio ia ter lugar, e como um dos membros da equipa ia participar nela, em parte como um teste, pusemo-lo a correr com o pedómetro. Depois, quando olhámos para os dados por minuto depois da corrida, estes eram bastante interessantes. Nessa altura já tínhamos os dados apresentados como um gráfico de barras, e pudemos ver que havia uma lacuna de cerca de cinco minutos. Ficou toda a gente entusiasmada, dizendo “Ah, isto foi quando ele foi à casa de banho”.

Iwata Asks
Iwata:

Igualmente, o número de passos por minuto mudava consoante a velocidade de corrida, por isso tenho a certeza de que foi interessante ver como corremos depois da corrida.

Mizuki:

Algumas pessoas ficavam cansadas e por vezes paravam, e porque esse período de tempo aparece em branco podemos saber exactamente quando é que descansámos e durante quanto tempo. Por isso graças à Maratona de Tóquio decidimos fortalecer a secção de registo de dados por minuto, por exemplo tornando possível adicionar memorandos aos dados.

Iwata:

Bem, isso pode ser divertido para o tipo de pessoas que podem competir na Maratona de Tóquio, mas não é um número de pessoas bastante limitado?

Mizuki:

Se vivemos um estilo de vida normal, podemos registar um padrão semelhante todos os dias, por isso pode dar a sensação de ser mundano ou perder a novidade.

Iwata:

A menos que haja um evento especial, dará a sensação de que todos os dias são iguais.

Mizuki:

Essa questão tornou-se uma verdadeira problemática chave para nós, e eu tive uma série de discussões sobre isso com Morimura-san

Iwata:

Então, Morimura-san, quando é que começaste a ver a luz?

Morimura:

Foi quando ia de comboio. Tinha ido com Mizuki-san a uma reunião com a empresa de desenvolvimento e à noite, no comboio de regresso de Quioto, vinha a falar com Mizuki-san...

Mizuki:

Hoje em dia ouvimos falar muito das chamadas “doenças relacionadas com o estilo de vida”. Digamos, por exemplo, que praticamente não nos mexemos ao domingo de manhã. Quando olhamos para os dados por minuto fica claro como o dia que os nossos níveis de actividade são baixos.

Morimura:

E por isso pensámos que seria bastante bom se o transformássemos num jogo que medisse o nosso estilo de vida, e ficámos ambos verdadeiramente entusiasmados.

Iwata Asks
Iwata:

Viram a luz quando estavam no comboio da noite. (risos)

Mizuki:

Então, na manhã seguinte, fomos directamente discutir isso com Shimomura-san, ele compreendeu imediatamente e disse “Talvez lhe pudéssemos chamar ‘ritmo de vida’”.

Iwata:

Então foi Shimomura-san que pensou no termo “ritmo de vida”. Eu também achei que me soava bem na primeira vez que o ouvi.

Shimomura:

Normalmente dizem-me que as sugestões que faço não prestam, e são rejeitadas (risos).

Mizuki:

Ter um bom ritmo de vida pode significar também que temos um estilo de vida regular. É por isso que eu pensei que se fosse registado um padrão semelhante de dados todos os dias, podemos pensar nele não como sendo “Ah, hoje foi apenas mais do mesmo”, mas em vez de isso pensar numa perspectiva positiva “Ah, hoje tive um bom ritmo de vida”.

Morimura:

Antes disso apenas tínhamos visto os dados por minuto ao nível de um único dia. Mas, quando criámos uma maneira de podermos comparar por semana, por mês, ou um determinado dia da semana conseguimos ver algo que não víamos antes.

Shimomura:

Por exemplo, quando olhámos para o nível de dois ou três meses, no meu caso o número de passos em Agosto era bastante elevado. Eu pude ficar satisfeito por ter feito imenso exercício durante as férias de Verão.

Morimura:

Para mim, depois de entrarmos nas etapas finais de desenvolvimento, cada dia chegava a casa mais tarde. Por isso, quando olhei para os dados dos meus níveis semanais, o período em que estava a chegar a casa mais tarde era claramente visível nos dados dos passos. Ver isso quase me deixou feliz por andar a trabalhar horas extraordinárias. (risos)

Todos:

(risos)

Morimura:

Mesmo dentro do meu próprio estilo de vida conseguir ver coisas que não conseguia ver antes e senti verdadeiramente que isto podia funcionar.