3. Empatia pelo staff

Iwata:

Em comparação com a forma como as coisas eram antes, o número de elementos com que tens de jogar quando crias um jogo aumentou substancialmente. É por esta razão que os jogos se desenvolveram tanto, ao mesmo tempo que ficas com uma sensação de que perderam algo que em tempos tinham.

Sakaguchi:

Sim, consigo ver isso. Poderias dizer que perderam aquele aspeto artesanal, aquela arte manual.

Iwata:

Não consegues competir no mercado de hoje se dependeres somente do aspeto artesanal. Precisas de saber combiná-lo com um processo industrial moderno.

Sakaguchi:

Poderá ser que o “espírito” que inspirou essa arte tenha enfraquecido.

Iwata:

Pergunto-me até que ponto esse espírito artesanal que os pioneiros do desenvolvimento de jogos detinham foi passado para a geração mais jovem. Antes, era possível influenciar em grande medida o produto final com os teus próprios esforços, então as pessoas que faziam jogos conheciam todos os aspetos da criação de jogos. Isto significou que desenvolveram uma habilidade natural para julgar o que era importante assim como a determinação e a tenacidade para o conseguirem. Acho que é esse o verdadeiro significado da arte manual. Mas à medida que o processo de criação de jogos foi mudando, a quantidade que uma pessoa pode fazer encolheu, e apareceu uma barreira entre a forma como os criadores pensavam e a forma como a nova geração trata a criação de jogos. Agora diria que é importante para os que têm estado envolvidos na criação de jogos há muito tempo desempenharem esse papel para que a geração mais nova coloque a sua fé no que os criadores seniores estão a fazer.

Iwata Asks
Sakaguchi:

Isso é verdade. Só porque tens estado envolvido no desenvolvimento de jogos há anos, isso não significa que as tuas técnicas sejam soberbas. Mas acho que o que tens é determinação e tenacidade. Isso pode tornar-se a cola que mantém a equipa unida e quando combinas isso com as habilidades técnicas dos membros mais novos, os próprios jogos mudam.

Iwata:

Senti mesmo que The Last Story e Xenoblade Chronicles8 ganharam forma graças a esse tipo de determinação. Nós, aqui na Nintendo, estivemos contigo para levarmos esses jogos até ao fim. 8Xenoblade Chronicles é um RPG lançado para a Wii no Japão em junho de 2010 e na Europa em agosto de 2011. Tetsuya Takahashi foi o diretor geral do projeto.

Sakaguchi:

Agora que falas nisso, a data de lançamento para ambos os títulos foi adiada, não foi?

Takahashi:

Falávamos muitas vezes de que jogo seria o primeiro a sair. (risos)

Sakaguchi:

Eu costumava ser mais rápido, mas desta vez venceram-me. (risos)

Takahashi:

Uma coisa de que dei conta recentemente é que muitas pessoas da nossa geração assumiram papéis de produtores e que se distanciaram do processo de desenvolvimento do próprio jogo. Se olhares para filmes ou animações, as pessoas na casa dos 50 ou dos 60 permanecem muito ativas. Se deixarmos de fazer jogos, esse espírito de arte manual não será passado para a geração seguinte. É por isso que acho melhor mantermos um papel ativo no processo de desenvolvimento do jogo.

Sakaguchi:

Sim, senti mesmo que tinha voltado à linha de frente desta vez. Ao envolver-me no processo criativo do dia a dia, penso que a determinação e tenacidade que possuía poderão ter mudado a forma como a equipa trabalhou em conjunto.

Iwata:

Se Sakaguchi-san não tivesse sido o diretor, ou se Takahashi-san se tivesse distanciado da equipa de desenvolvimento, esses títulos não se teriam tornado os jogos que hoje são. Os membros mais novos da equipa colheram os frutos da determinação de ambos.

Takahashi:

Na apresentação do Last Story, Fujisaka-san9 falou de uma vez em que estava a trabalhar até tarde e Sakaguchi-san entrou depois de ter saído à noite e deu instruções relativamente ao design do logo, e depois foi para casa. Consegui mesmo imaginar essa cena. Sakaguchi-san sempre foi assim, certo? (risos) Se disser a alguém o que fazer, essa pessoa não tem alternativa senão fazê-lo mesmo! Mas penso que isso é muito importante. 9Kimihiko Fujisaka foi responsável pelo design de personagens de The Last Story.

Iwata:

Penso que isso é possível porque há uma confiança tão grande em Sakaguchi-san. Se fazes uma coisa só porque o teu chefe to mandou fazer, não vais dedicar-te a isso de alma e coração. Precisas de ter fé que a pessoa que te dá instruções pensou nas coisas de forma mais profunda. Depois, mesmo que as vossas opiniões difiram, no fim ficarás feliz por fazeres o que puderes para os ajudares a atingir a sua visão.

Sakaguchi:

Muitos factos estão a ser revelados nesta entrevista, não é? (risos)

Iwata:

Achas que fazes esse tipo de coisas inconscientemente?

Sakaguchi:

Não o faço de forma consciente, é verdade. Com ideias que eu nunca teria tido, como o Magitek Armor de que falámos há pouco, não tenho nada a dizer. O que é importante é estarmos de acordo. Se uma peça do puzzle tem a forma errada, pode ser muito difícil consertá-la quando o produto estiver terminado. Tens de fazer essa mudança numa fase anterior. Penso que consigo dizer instantaneamente se um elemento não está em harmonia com a direção geral do jogo. Tenho a sensação de quando deteto uma coisa dessas, aponto-a imediatamente e depois vou embora para casa. Quer dizer, não tenho bem a certeza mas tenho essa sensação. (risos)

Takahashi:

Mas com os gráficos, estás aberto a outras sugestões, não estás?

Sakaguchi:

Diria que sim. Quer dizer, não sei desenhar, então se tudo fosse deixado à minha imaginação, penso que o mundo do jogo seria muito limitado. O mais importante é ter um mundo de jogo cheio de vida, e a melhor forma de o conseguir é deixar que os peritos criem esse mundo.

Iwata:

No fim, conseguiste fazer isso porque confiaste no filtro de Takahashi-san.

Sakaguchi:

Sim, tens razão. É uma coisa que sempre achei curiosa, mas há pessoas que sabem desenhar e há outras que não. Deixando habilidades individuais de parte, mesmo quando alteram a sua abordagem, as pessoas que sabem desenhar conseguem, ainda assim, criar material verdadeiramente vibrante. Não tenho bem a certeza do que explica este fosso. Taka-chan, por que achas que há este fosso entre as pessoas que sabem desenhar e as que não sabem?

Takahashi:

Penso que será uma questão de imaginação. Pelo menos de acordo com a minha experiência, começa com a história que Sakaguchi-san inventa, e depois tentas imaginar aquilo que pretendes, o que estás a tentar criar. Depois fazes sugestões com base naquilo que achas que Sakaguchi-san pretende.

Iwata Asks
Iwata:

Então queres dizer que pensas em coisas que achas que funcionariam bem no mundo do jogo com base nas dicas dadas por Sakaguchi-san?

Takahashi:

Sim. Se não conseguires fazer isso, acabarás por pensar em algo que difere do jogo originalmente concebido. Isto é algo que digo muitas vezes na minha empresa, mas é muito importante que independentemente do elemento em que estejas a trabalhar sejas capaz de considerar aquilo em que os outros estão a pensar e a tentar atingir. Penso que poderias chamar isto de “empatia”.

Sakaguchi:

Ah, estou a ver. Empatia é uma boa forma de o dizer.

Iwata:

Se não tiveres essa empatia com o utilizador final, não serás capaz de criar elementos que eles acolham. Esta empatia não é apenas algo entre os criadores e os jogadores; também precisa de existir entre os membros-chave da equipa de desenvolvimento e o resto do staff.

Sakaguchi:

Para o dizer de outra forma, se tu próprio não conseguires criar uma mentalidade de: “Quero alcançar empatia!” logo desde o início, estás em sarilhos. Percebo... primeiro deves ter aquela empatia com o teu staff. Bem, Taka-chan, que palavras sábias que proferiste! (risos) Se os membros da equipa estiverem em sintonia, conseguem criar um mundo de jogo que ultrapassa aquele que imaginei. E é precisamente por isso que devemos todos unir forças e dar o nosso melhor.

Takahashi:

Penso que isso é verdade. Lembram-se dos velhos tempos em que fazíamos depuração no nosso escritório? Toda a gente chegava lá no último dia e jogava o jogo até ao fim. Era muito divertido, não era?

Sakaguchi:

Sim, era ótimo. Acabávamos o trabalho, bebíamos uma cerveja e por vezes até vertíamos umas lágrimas.

Iwata Asks
Takahashi:

Uematsu-san10 era o que chorava mais, não era? (risos) 10Nobuo Uematsu é um compositor de música para jogos e foi responsável pela banda sonora de The Last Story.

Sakaguchi:

Sim, ele chorava muito! (risos) Mas os jogos feitos nestas condições nunca correram mal, pois não? Isso também é um exemplo de estar em sintonia. Se todos tiverem empatia uns pelos outros, acabarás com uma verdadeira sensação de união.

Iwata:

E essa energia acaba por ser transferida para os próprios jogos.