1. Duas câmaras e um cartão SD

Iwata:

Vamos começar pelo início do desenvolvimento da Nintendo DSi. Foste tu, Kuwahara-san, quem começou a trabalhar nisto, certo?

Kuwahara:

Sim. Chamo-me Masato Kuwahara e trabalho no Divisão de Investigação e Engenharia. Tudo começou quando, em finais de 2006, o meu patrão me colocou a trabalhar numa nova DS e me disse para preparar uma proposta para apresentação no final de Dezembro, delineando o tipo de sistema que pretendíamos conceber.

Iwata:

Foi um pouco "em cima da hora".

Kuwahara:

Eu que o diga! E até Fevereiro do ano seguinte teríamos de modelar a maior parte das especificações para o chip interno. Tivemos de trabalhar a um ritmo incrível. Desde o planeamento até determinar as especificações, tivemos de avançar sem qualquer pausa. Foi bastante intenso.

Iwata:

Durante esse tempo, houve algo que te preocupasse ou no qual te tenhas concentrado?

Kuwahara:

Uma das dificuldades foi desenvolver o projecto tendo em mente como o vender. O que quero dizer é que não se tratava de uma peça de hardware completamente nova, pelo que não podíamos prever que houvesse vários títulos sonantes para lançar em simultâneo.

Iwata:

Porque não é uma plataforma totalmente nova. É a terceira consola na linha Nintendo DS.

Kuwahara:

Exactamente. Portanto, em traços simples, temos de conseguir vender a consola por si só. Esta tem também de conseguir penetrar no mercado DS já existente.

Iwata Asks
Iwata:

Certo.

Kuwahara:

Tal deu origem a alguma frustração da minha parte. Não podia avançar a todo o vapor, mas se não o fizesse, não seria algo novo. Foi um dilema.

Iwata:

Por outras palavras, terias sentido uma maior liberdade se pudesses ignorar os precedentes tecnológicos e o mercado existente para a DS, mas uma vez que tiveste de te limitar à plataforma DS, descobrir como ser inovador nessa estrutura representou um grande desafio.

Kuwahara:

Sim.

Iwata:

Apesar destas restrições, em comparação com a DS Lite, a DSi tem algumas funcionalidades novas. Recordas-te qual foi a primeira que decidiram incluir?

Kuwahara:

Vejamos... A primeira grande funcionalidade incluída foram as câmaras. Só fazia sentido começar por aí, porque teria um efeito na forma de jogar e seria uma alteração fácil de compreender.

Iwata:

Originalmente, o ecrã táctil da DS era o seu sentido de toque, e a entrada para microfone representava os ouvidos. Lembro-me de alguém ter sugerido logo no início que devíamos atribuir olhos à consola. Tem dois: um na estrutura exterior e outro no interior, ao abrir a consola . Podes dizer-me os motivos ou a base para tal?

Iwata Asks
Kuwahara:

Para o explicar de forma simples, a câmara exterior existe para que possamos tirar fotografias de outros objectos ou pessoas, como fazemos com uma câmara digital. A câmara interior é para tirar fotografias de nós próprios enquanto jogamos. É por isso que existem duas.

De início, pensámos que ter duas câmaras seria um desperdício - que uma câmara rotativa seria suficiente - mas a integração de um novo mecanismo rotativo na estrutura traduzir-se-ia num aumento do custo e tamanho. Por isso decidimos que seria melhor ter duas câmaras.

Iwata:

Havia também a questão da durabilidade. Falámos que um mecanismo rotativo poderia partir-se mais facilmente, deitando por terra o objectivo da consola. A simples adopção de um mecanismo de rotação de câmara, semelhante aos telemóveis, não iria satisfazer os requisitos de qualidade da Nintendo.

Kuwahara:

Certo.

Iwata:

Como decidiram o número de píxeis?

Kuwahara:

É comum pensar-se que quanto maior o número de píxeis tanto melhor, mas tal não é necessariamente o caso quando o principal objectivo é atribuir "olhos" a uma consola de jogos. Com um maior número de píxeis, o tamanho físico da câmara aumenta, assim como a quantidade de dados que deve conseguir trabalhar, aumentando substancialmente a carga de processamento.

Para uma câmara digital, em que estamos principalmente interessados em capturar uma imagem, a simples inclusão dos circuitos necessários para o número de píxeis é suficiente, mas pretendíamos utilizá-la para uma variedade de aplicações, pelo que optámos por uma câmara de 0,3 megapíxeis.

Iwata:

Os fabricantes de câmaras digitais e telemóveis têm competido entre si nos últimos anos, resultando em números de píxeis cada vez maiores, pelo que algumas pessoas podem pensar que 0,3 megapíxeis não é muito hoje em dia, mas representa uma resolução 640 x 480. Ou seja, consegues captar 2,5 vezes mais largura e comprimento do ecrã da DS .

Com a Nintendo DSi é possível aumentar parte de uma fotografia sem qualquer percepção que a resolução não seja suficiente. Um outro problema com o maior número de píxeis é que a memória necessária para guardar cada imagem aumenta consideravelmente.

Quando utilizo uma câmara digital com um grande número de píxeis, é necessário tanto espaço para armazenar cada imagem que dou por mim a reduzir a resolução ao guardar. Ponderámos qual seria o tamanho ideal para visualizar fotografias rapidamente, uma após a outra, no ecrã da DS. Creio que se pode dizer que estivemos à altura da tradição da Nintendo de utilizar tecnologia consagrada.

Além da câmara, quais foram as outras alterações no hardware?

Kuwahara:

Adaptámo-lo para cartões de memória SD. Para dizer a verdade, houve uma altura durante o planeamento em que não tínhamos a certeza da melhoria que tal representaria para as possibilidades de jogar, mas no final ficámos satisfeitos por o ter feito.

Iwata:

O que mais recordo relativamente aos cartões SD é o vigor com que o Shigeru Miyamoto os defendeu.

Kuwahara:

É verdade.

Iwata:

Numa fase inicial do planeamento, os programadores de software a favor dos cartões SD não estavam em maioria. Se utilizarmos cartões SD o tamanho aumenta, e nessa fase era difícil visualizar claramente o que os cartões SD iriam trazer para o sistema e o que iria faltar sem eles. Mas o Miyamoto-san queria utilizá-los. Perguntámos-lhe se tinha a certeza, ele disse que sim e prometeu que iria tirar proveito dos mesmos! (risos)

Iwata Asks
Kuwahara:

Pois foi. (risos)

Iwata:

E - voltarei a isto posteriormente - adicionou as funcionalidades de áudio num espaço de tempo impecável (risos), e o resultado final acabou por ser um produto fantástico. É típico do Miyamoto-san persistir na sua palavra.

Kuwahara:

Definitivamente. Pessoalmente, não me incomoda a natureza frenética de alturas como essas. Lançámos muitas opiniões e fizemos tudo o que pudemos. Gosto bastante das funcionalidades de áudio do produto final.

Iwata:

Muitas dessas opiniões surgiram dos produtores de desenvolvimento de software internos quando lhes mostraste o hardware durante a fase de planeamento. Havia várias possibilidades. Sentiste alguma pressão devido às opiniões dos programadores de software?

Kuwahara:

Na verdade, não. Recebi tantas opiniões e sugestões positivas que me senti motivado por elas.

Iwata:

Então não te sentiste sufocado, mas antes energizado pelas opiniões recebidas.

Kuwahara:

Não me senti nada sufocado. Foi uma grande ajuda, e concluí que gostaria de reunir opiniões de bastantes pessoas também em projectos futuros.

Iwata:

Não dispúnhamos de partilha tão avançada durante o desenvolvimento da Nintendo DS e Game Boy Advance, pelo que a equipa de hardware mostrava os planos aos programadores de software e diria "Isto é o que fizemos", e tinha então início o desenvolvimento do software, de acordo com esses planos. Esta pode ser a primeira vez na história da Nintendo em que ouvimos as ideias da equipa de software durante as primeiras fases do desenvolvimento de uma consola de jogos e as reflectimos nas especificações.

Kuwahara:

A sério? Não sabia. Talvez tenha sido melhor não o saber! (risos)