3. "Devias aceitar este trabalho."

Iwata:

Então, ficaste com duas cópias de Awakening, mas tiveste tempo para jogar? És uma pessoa muito ocupada.

Kibayashi:

Foi no momento certo. Tinha estado muito ocupado, mas encontrámo-nos no final do ano, por isso as minhas histórias de manga estavam a ser publicadas em coleções de final de ano...

Iwata:

Deve ser a agenda de produção de fim de ano do mercado editorial de que ouvimos falar.

Kibayashi:

Exato. Fiz o trabalho de duas semanas, por isso tinha duas semanas de folga. Ia para o estrangeiro para relaxar e comecei a jogar na viagem de avião.

Iwata:

O que pensaste de Awakening?

Kibayashi:

Pensei: "Isto é muito interessante." (risos)

Iwata:

Certo. (risos)

Kibayashi:

Mas senti que algumas partes deixavam um pouco a desejar. A minha filha, que estava no secundário na altura, disse que também queria jogar. Por isso, dei-lhe o jogo e ela começou logo a jogar. Continuou a jogar, por isso perguntei-lhe "É mesmo assim tão divertido?" e ela respondeu: "Devias aceitar este trabalho!"

Yokota:

(com reverência) Fico muito agradecido.

Kibayashi:

Ela disse: "Mas a história é um pouco banal, por isso acho que podes torna-la ainda melhor." (risos)

Iwata Asks
Todos:

(risos)

Iwata:

Ela quis dizer: "Tens de assumir a responsabilidade, pai."

Kibayashi:

É verdade. Por isso, olhei para a minha agenda e estava muito cheia, mas podia adiar alguns trabalhos. E disseram-me que só tinha de escrever dez páginas para cada um dos três enredos.

Maeda:

Exato. Como ele está sempre tão ocupado, pensei que lhe podíamos pedir para escrever cerca de dez páginas para resumir o enredo.

Kibayashi:

Logo, pensei: "Bom, posso fazer isso." Comecei a escrever a história sobre a família Hoshido e só o início ficou com dez páginas. Acabei por escrever cerca de 500 páginas.

Maeda:

Exato.

Kibayashi:

Quando crio uma história, ao escrever os pormenores, como as falas das personagens, começo a gostar das personagens e elas acabam por ganhar vida própria, a história começa a avançar sozinha.Por isso, eu seria incapaz de escrever apenas um resumo do enredo.

Iwata:

E, sem falas, as personagens não ganham vida.

Kibayashi:

Exatamente. Por isso, acabei por escrever muito e pensei: "Bom, tornou-se uma tarefa bastante grande." Então, dei-lhes as páginas do início da história da família Hoshido e tive de escrever a mesma quantidade para os outros dois enredos. Pensei: "Não serei capaz de fazer isso." Mas comecei a escrever e... consegui.

Todos:

(risos)

Kibayashi:

Pensei: "Sou mesmo idiota." Mas continuei. Acabei por escrever tanto que podia ter publicado dois livros.

Iwata:

Tinhas de estar à altura das expectativas da tua filha.

Kibayashi:

Foi isso, em parte. Se não fosse bom, a minha filha ficaria zangada. E, enquanto escrevia, ela perguntava-me como estava a correr. Isso fez-me sentir que tinha de escrever uma história boa. Por isso, ficou cada vez maior e tornou-se uma história elaborada.

Iwata:

Maeda-san, o que pensaste das páginas que recebeste do Kibayashi-san?

Maeda:

Fiquei espantado só com o volume.

Iwata:

Bom, disseste-lhe que só tinha de escrever dez páginas e ele escreveu 500.

Maeda:

Exato. Quando li, achei muito interessante, mas fiquei muito agradecido por outra coisa. Há várias restrições que temos de levar em conta quando transformamos uma história num jogo. Por exemplo, na série Fire Emblem cada capítulo tem um mapa diferente e uma batalha.

Iwata:

Há coisas que são garantidas na série Emblem.

Maeda:

Exato. Embora o Kibayashi-san nunca se tenha envolvido tanto no desenvolvimento de um jogo, ele teve em conta todas essas convenções quando escreveu a história.

Iwata:

Além de escrever muito, ele compreendeu as convenções da série Fire Emblem.

Maeda:

Exatamente. Fiquei muito grato por isso.

Iwata:

No entanto, essas convenções não existem apenas nos videojogos, existem em tudo, incluindo em manga, em programas de televisão, no teatro ou no cinema.

Kibayashi:

Sim, é verdade.

Iwata:

Talvez o trabalho feito em vários formatos, não apenas em manga, mas também em séries de TV e em peças kabuki, tenha permitido ao Kibayashi-san ser flexível e compreender bem o ritmo necessário.

Iwata Asks
Kibayashi:

Exatamente. Esse ritmo é totalmente diferente em cada formato. E, como joguei Awakening, tinha uma ideia clara do ritmo da série Fire Emblem. Por isso, quando comecei a pensar na história, senti-a avançar dentro do jogo e sabia que ia ser boa.

Iwata:

Sentiste isso assim que começaste a escrever.

Kibayashi:

Exato. E, para um escritor, pensar que a história vai ser boa é muito divertido. Claro que estamos sentados a escrever e, por vezes, a trabalhar a noite toda, e isso é difícil, mas, se gostarmos do que escrevemos, as palavras saem com facilidade. E as páginas vão aparecendo. (risos)

Iwata:

Exato. (risos)

Kibayashi:

Por isso, acabei por escrever muito. No entanto, olhando para o passado, percebo que o fiz porque me envolvi bastante na história.

Iwata:

Bom... O Shigesato Itoi-san26 tem uma coisa a que chama “omotsurai”27...26. Shigesato Itoi: Criador da série MOTHER (conhecida como EarthBound na Europa). Famoso por gostar de pescar robalo, supervisionou o lançamento de Itoi Shigesato no Bass Tsuri No. 1 (lançado apenas no Japão para a Super NES, em 1997). Gere o site Hobo Nikkan Itoi Shinbun. Shigesato Itoi é também um velho amigo de Satoru Iwata e aparece ocasionalmente nas entrevistas Iwata Pergunta. Para mais pormenores, lê a entrevista 25.º Aniversário de Super Mario Bros.: Parte 1: Itoi pergunta a Miyamoto, Iwata Pergunta: The Legend of Zelda Skyward Sword: Special Edition: Creative Small Talk, Iwata Pergunta: Nintendo 3DS: E assim se fez a Nintendo 3DS.27. Omotsurai: Combina as palavras japonesas omoshiroi (interessante/divertido) e tsurai (difícil/desafiante) e significa algo que é divertido, mas desafiante. A palavra foi inventada por Shigesato Itoi, o primeiro a escrever sobre os aspetos divertidos, mas desafiantes da pesca de robalo no seu livro, Seikatsu Gochō Seikatsu – Basu Tsuri ha Omotsurai, (publicado no Japão em 1996).

Kibayashi:

Omotsurai? (risos)

Iwata:

A palavra era uma combinação de "omoshiroi" e "tsurai". Acredito que tenhas terminado essas 500 páginas em modo omotsurai. (risos)

Kibayashi:

É verdade. Foi omotsurai, sem dúvida. (risos)

Iwata:

Mas houve várias coincidências que tornaram possível este jogo novo. Não te teríamos conhecido, Kibayashi-san, se tu e o Kozaki-san não trabalhassem com a mesma editora...

Higuchi:

Exato.

Iwata:

E o Maeda-san era um fã tão grande do Kibayashi-san que o venerava como se fosse um deus. Acabaram por se encontrar no final do ano e o Kibayashi-san jogou Awakening nas férias, a filha jogou com ele e encorajou-o a aceitar o trabalho... Mas creio que o mais importante foi que o Kibayashi-san tenha pensado que podia ser divertido. Isso fez com que as palavras saíssem a voar e permitiu-nos ver o verdadeiro talento dele.

Maeda:

Sim. Fico muito agradecido por isso.