2. Vai ser divertido

Iwata:

Depois foste aos escritórios da Disney para uma reunião?

Nomura:

Sim. Inicialmente decidimos ter só uma discussão. Não fazia ideia do que iríamos falar mas fui ouvir o que tinham para dizer. Mas eu já tinha uma vaga ideia do jogo que queria fazer.

Iwata:

Então és o tipo de pessoa que visualiza o que quer fazer antes de começar a trabalhar?

Nomura:

Sou. Na verdade, já tinha visualizado o jogo num espaço 3D e isto estava a ganhar forma na minha cabeça quando fui à Disney. Claro que eles tinham as suas próprias ideias e perguntaram-nos se estaríamos interessados em transformar uma variedade das suas ideias num jogo.

Iwata:

Naturalmente, as ideias deles eram diferentes das tuas...

Nomura:

Sim. Pareciam acreditar que faríamos o que quer que eles quisessem e fizeram-nos pedidos bastante específicos como: “Gostaríamos que o jogo incluísse esta personagem.” Estavam mesmo entusiasmados, a explicar as suas ideias... Mas para ser sincero, eu não estava realmente interessado em nenhuma delas. (risos)

Os dois:

(risos)

Iwata:

Querias pedir as personagens da Disney emprestadas para fazeres um jogo novo que pudesse competir com Mario 64 e já tinhas uma visão do que este jogo pareceria. Suponho que as suas ideias não se encaixavam nesta visão.

Nomura:

É verdade. No fim parei uma apresentação a meio. Não tínhamos muito tempo e parecia que o tempo todo iria ser tomado por várias apresentações da Disney. Então interrompi-os e disse-lhes a conclusão dizendo: “Não farei jogos destes.”

Iwata:

Oh não! (risos) Imagino que tenham ficado bastante surpreendidos quando ouviram isso?

Nomura:

Sim, ficaram muito surpreendidos. (risos) Mas uma vez que não compreendia o que eles estavam a dizer em inglês, decidi não dar muita importância a isso e falei-lhes da minha primeira ideia para Kingdom Hearts: novas personagens numa aventura pelos mundos habitados por personagens da Disney. Depois visitei os seus escritórios várias vezes. Na primeira reunião mostrei-lhes um design com uma imagem de Sora, a personagem principal do jogo. Tinha-o desenhado a transportar uma arma que parecia uma motosserra enorme. A reação deles foi: “Mas o que é isto??”.

Ambos:

(risos)

Iwata:

Provavelmente estariam a pensar como aquilo pareceria no mundo da Disney!

Nomura:

Quando lhes disse que era uma motosserra, ficaram mesmo chocados, absolutamente sem palavras! (risos) Estavam a olhar para o design, provavelmente a dizer: “Isto é terrível” e por aí fora. Mas era tudo em inglês, por isso não percebia uma palavra.

Iwata:

Acho que, por vezes, mais vale não sabermos! (risos)

Nomura:

Sim. (risos) O Sora passou por muitos ajustes antes de se tornar a personagem que é agora.

Iwata:

Mas a Disney acabou por aceitar a personagem? Aquela que originalmente os deixou sem palavras?

Nomura:

Sim. Foram muito generosos.

Iwata:

Talvez as pessoas do lado da Disney estivessem à procura de novas ideias e de mudanças. Afinal, muitas pessoas tornaram-se fãs da Disney por causa de Kingdom Hearts. O facto de teres conseguido fazer Kingdom Hearts durante uma década deve comprovar o facto de que a Disney está a reconhecer a sua importância.

Nomura:

Dizem sempre que Kingdom Hearts é muito importante para eles e fico muito feliz por isso.

Iwata:

Quando me contaste esta história de fundo, dei por mim a pensar: “Uma coisa destas poderia mesmo acontecer?”

Nomura:

Oh, a sério? (risos)

Iwata:

Bem, tiveste de ultrapassar uma série de situações difíceis para criares o jogo: as apresentações da Disney sobre os jogos que queriam fazer, a sua falta de palavras ao olhar para o teu documento e por aí fora... “Eles não deveriam ter sido capazes de fazer isto...”. Eu pensei: “Como é que conseguiram!?”

Nomura:

As pessoas dizem muito isso, mas na altura achava que não seria impossível.

Iwata:

Tudo é impossível se pensarmos que é. Muitas vezes só é preciso que uma única pessoa acredite veementemente que algo pode ser conseguido e continue a perseguir esse objetivo até ao fim.

Nomura:

Concordo. Estava sempre a dizer: “Se fizermos isto, vai ser fantástico” e “Se não o fizermos, ficaremos a perder!” (risos)

Iwata:

Parece que aprendeste alguma coisa com os americanos! (risos) Mas se já tens uma imagem do que queres fazer e lançam ideias uns aos outros, chega um momento no processo em que a outra parte aceita a tua ideia.

Nomura:

Penso que sim... Na altura tivemos várias oportunidades para falar diretamente com o presidente da Nintendo. Ele era muito generoso connosco. Mesmo quando as pessoas à sua volta se opunham a alguma coisa, ele dizia que estava bem e podíamos assim avançar.

Iwata:

Quando estás a lidar com outra empresa, ter alguém com autoridade que te percebe é um fator importante na construção de uma relação, não é?

Nomura:

Sim, tivemos muita sorte.

Iwata:

Neste ponto, a Square já fazia RPG há muito tempo. Havia muitas pessoas na vossa organização com experiência em fazer jogos tão orientados para a ação como este?

Nomura:

Não, não havia quase ninguém.

Iwata:

Tenho a sensação de que o processo de pegar na tua visão original e transformá-la num artigo terminado satisfatório estava longe de ser simples. Estou correto?

Nomura:

Logo no início do projeto, quando formei a equipa, apercebemo-nos de que havia muitas pessoas da equipa que nunca tinham trabalhado num jogo de ação. Por isso, naturalmente que sim, que houve momentos mais negros.

Iwata:

Bem, estavas na pele de diretor pela primeira vez, a reunir uma equipa, a tentar persuadir a Disney a aceitar as tuas ideias, a trabalhar com um género desconhecido... Provavelmente, esses obstáculos extra tornaram este projeto três ou quatro vezes mais difícil do que o habitual.

Nomura:

Acho que tens razão. (risos) Durante vários meses após o desenvolvimento, a equipa entrava em pânico e ficava ansiosa, sem saber se o jogo que estávamos a fazer era divertido ou não.

Iwata:

Se estás envolvido num jogo desde o início, muitas vezes torna-se difícil perceber se é divertido ou não, não é?

Nomura:

Sim. Eu continuei a dizer-lhes para não se preocuparem, que tinha a certeza de que seria divertido…

Iwata:

Então sempre acreditaste firmemente que o jogo seria divertido e que no final chegarias ao teu objetivo?

Nomura:

Sim.