2. Porque Mario usa um fato-macaco

Iwata:

O que caracteriza Mario é o bigode, o chapéu e o fato-macaco. Por que decidiram dar-lhe esta imagem? Tenho a certeza de que já falaram disto vezes sem conta, mas gostava de aproveitar a oportunidade para vos pedir que nos falassem um pouco disso.

Miyamoto:

Com certeza. O Mario original era uma imagem pixelizada 16 X 16. Nessa altura, quando os jogos feitos no estrangeiro usavam personagens humanas, tinham sempre proporções semelhantes à realidade.

Iwata:

Parece que os criadores não ficavam satisfeitos a menos que desenhassem uma figura com a proporção de oito cabeças.

Miyamoto:

Ou, às vezes, de seis cabeças. Mas, na verdade, o número de píxeis que podíamos usar era tão limitado que se usássemos essas proporções ficávamos com um par de píxeis para a cara.

Iwata:

Com dois píxeis, nem iam conseguir desenhar os olhos. Ficariam, basicamente, com uma figura tipo palito, algo que se via frequentemente em jogos estrangeiros.

Miyamoto:

E como não se pareciam de todo com figuras humanas, estava plenamente convencido que tinham sido criadas por pessoas que não sabiam desenhar!

Iwata:

(risos)

Miyamoto:

Eu achava que era provável ter sido um programador a desenhar as figuras. Mas pensei: “Espera lá, eu sei desenhar!" Bem, não estava a dizer que desenhava tão bem quanto um artista, mas tinha a certeza que desenhava melhor que um programador. E por isso comecei por dizer: "Bem, vamos desenhar algo que de facto se pareça com um rosto de uma pessoa!" Por isso desenhei os olhos, o nariz, a boca e…

Iwata:

De certeza que não tinhas píxeis suficientes para isso, certo?

Miyamoto:

Pois é, não havia píxeis suficientes... Mal dás conta e já usaste 8 X 8 píxeis. Mas se desenhas um nariz e um bigode, ficas sem saber se é uma boca ou um bigode e poupas nos píxeis.

Iwata:

Então, se desenhas um bigode não tens de desenhar uma boca.

Miyamoto:

Não tens de desenhar a boca, o que é uma grande diferença. Só precisas de um píxel para o queixo e, se desenhares dois píxeis na vertical, ficas com uns olhos bem giros. (risos) E por não poderes desenhar o cabelo todo, se ele usar um chapéu podes reduzir o cabelo a apenas um par de píxeis.

Iwata:

Então o Mario ficou com um chapéu para poderem reduzir o número de píxeis usados?

Miyamoto:

Bem, se tiveres cabelo torna-se um problema fazer a animação. E se desenhares um chapéu, os olhos podem ficar imediatamente abaixo.

Iwata:

E assim já tens um rosto completo.

Miyamoto:

Mas quanto a desenhar o corpo com os píxeis restantes, o que se pode fazer é limitado. Além disso, e porque queríamos que Mario corresse como deve ser, precisávamos de o animar e só podíamos usar três frames. Quando o Mario corre, mexe os braços. Contudo, para ser mais fácil ver esse movimento achei melhor fazer os braços de uma cor e o corpo de outra. Por isso comecei a pensar se haveria algum fato que pudesse usar que lhe desse esse aspecto…

Iwata:

E eis que te lembraste do fato-macaco! (risos)

Miyamoto:

Ora aí está! O fato-macaco era a única opção possível! Foi assim que Mario ficou com o fato-macaco. Felizmente, a história passava-se num local de construções e achámos que a única opção era Mario ser carpinteiro! (risos)

Iwata Asks
Iwata:

Parece que é tudo tão inevitável! (risos)

Miyamoto:

Depois demos-lhe um par de luvas brancas, para que fosse mais fácil ver os seus movimentos quando saltasse.

Iwata:

Então a forma foi ditada pela função. A tua área de especialização, design industrial, está bem visível no resultado final. E depois, por ele estar sempre a saltar, ficou conhecido como “Jumpman”, o homem dos saltos, não foi?

Miyamoto:

Bem, eu apelidei-o de “Mr. Video”. O meu plano era usar a mesma personagem em todos os videojogos que fizesse.

Iwata:

Ah, então tinhas um plano logo desde o início! Por que querias usá-lo em todos os jogos que fizesses?

Miyamoto:

7 Alfred Hitchcock (1899-1980) era um realizador de cinema britânico de renome, conhecido como o mestre do suspense. Realizou muitos filmes, incluindo Rebecca (1940), Dial M For Murder – Chamada para a Morte (1954), Psycho – Psico (1960) e The Birds – Os Pássaros (1963).

Iwata:

(risos)

Miyamoto:

8 Osamu Tezuka (1928-1989) é visto como o fundador da manga japonesa, tendo contribuído enormemente para o seu desenvolvimento. Os seus trabalhos mais conhecidos incluem Astro Boy, Kimba the White Lion e Black Jack. 9 Fujio Akatsuka (1935-2008) foi um grande artista de manga cujos melhores trabalhos incluem os humorísticos Osomatsu-kun, Tensai Bakabon e Moretsu Ataro.

Iwata:

Se estavas a considerar usar a personagem em vários títulos, deves ter ficado muito satisfeito com a imagem de Mario.

Miyamoto:

Achei que tinha criado uma personagem forte, e foi por isso que pensei: “A partir de agora, vou continuar a usá-lo!” Assim, decidi que um nome forte e imponente tal como “Mr. Video” funcionaria melhor. Mas, olhando para trás, acho que não devia ter escolhido esse nome. Foi uma pessoa da Nintendo of America que se lembrou no nome Mario. Se se chamasse “Mr. Video”, se calhar já tinha desaparecido da face da terra há muito tempo. (risos)

Iwata:

(risos) Passemos agora para o jogo em que Mario apareceu depois de Donkey Kong…

Miyamoto:

10 Mario Bros. era um jogo de plataformas lançado para os salões arcade e para a consola Famicom no Japão em 1983.

Iwata:

11 As carapaças de tartaruga só podiam ser removidas das personagens na versão arcade de Mario Bros., não nas versões para a Famicom ou a Game Boy Advance.

Miyamoto:

Exactamente. Mario Bros. foi fruto também da colaboração com Yokoi-san. Ele propôs que fizéssemos um jogo competitivo e o desenvolvimento começou a partir daí. Em Donkey Kong, se Mario caísse a uma distância maior que a sua altura, ficaria atordoado e perdia uma vez. Mas, desta vez, Yokoi-san disse: “Porque não o deixamos saltar de sítios mais altos?” Achei que, se o fizéssemos, o jogo não seria muito bom. Mas reflecti um pouco e pensei: “Mas por que motivo não pode Mario poder fazer proezas sobre-humanas?” E depois criámos um protótipo com Mario a correr e a saltar e achámos muito divertido.

Iwata:

Então o Mario era agora capaz de saltar para sítios mais altos do que em Donkey Kong.

Iwata Asks
Miyamoto:

Sim. Mas nesse momento vimo-nos num beco sem saída, sem saber bem que tipo de jogo ia ser. Foi aí que Yokoi-san, uma pessoa que considera os problemas a partir dos princípios iniciais, disse: “Já que há tanto chão, porque é que não fazemos com que Mario consiga atacar o inimigo de baixo?” Mas quando o tentámos fazer vimos que era fácil demais – os inimigos assim desapareciam num instante.

Iwata:

Porque, sem correr qualquer risco, podias derrotar o inimigo, acertando-lhe por baixo.

Miyamoto:

E o jogo assim era algo cobarde. Por isso fizemos com que fosse possível acertar no inimigo por baixo, mas Mario teria de subir para o derrotar.

Iwata:

Então tens de subir para dar o golpe final.

Miyamoto:

Foi aí que pensámos numa criatura que podia aguentar ser atacada por baixo, eventualmente recuperando. Demos voltas à cabeça a pensar no que podíamos usar...

Iwata:

E foi aí que nos lembrámos da tartaruga! (risos)

Miyamoto:

Era a única solução! (risos) Se a atacares por baixo, ela vira-se de costas! Se a deixares sossegada um bocado ela endireita-se!