4. Medo e diversão na casa assombrada

Iwata:

Parece que tinham uma ideia bastante clara desde o início de que Project Zero 2: Wii Edition deveria renascer num novo jogo. Mas estou certo de que se depararam com bastantes obstáculos durante o processo de desenvolvimento. Poderiam dizer-me como conseguiram ultrapassar esses obstáculos?

Kikuchi:

Bem, como podem imaginar, a primeira grande barreira com que nos deparámos estava relacionada com o problema que Shibata acabou de mencionar: mudar o ângulo da câmara. É um jogo em que muito do medo reside na forma como o mapa está apresentado. Então, alterando o ângulo da câmara, há o risco de o jogador poder não olhar para uma coisa que queres que ele veja, o que significa que o jogo não funciona da forma originalmente pretendida.

Iwata:

Então alterar o ângulo da câmara implicou reformular o design do jogo a partir do zero.

Kikuchi:

Acabámos por ter de fazer bastantes alterações ao mapa. Mas uma vez que todos nós, na equipa de desenvolvimento, conhecíamos o mapa como a palma das nossas mãos, tornou-se difícil avaliar que pontos exatos precisavam de ser mudados.

Iwata:

Penso que isso é natural. A equipa de desenvolvimento jogou o título inúmeras vezes, pelo que a imagem estará gravada nas suas cabeças, o que significa que todos terão, inevitavelmente, certas suposições sobre a forma como deverá ser.

Kikuchi:

É por isso que formámos uma “Sociedade ambulante da aldeia de Minakami” juntamente com Osawa-san e Izuno-san. Caminhávamos pela aldeia a cobrir cada área do mapa, para vermos se a informação certa estava a aparecer no momento certo e se a forma como o jogador estava a ser atraído para a história era eficaz. A ideia era conferir, lenta e laboriosamente, se todos os detalhes estavam onde deveriam estar.

Iwata:

Que tipo de resultados tiveram as ações dessa “Sociedade ambulante”?

Shibata:

Para além de termos visto onde precisávamos de fazer ajustes ao mapa, também olhámos para a orientação que o jogador obteria no início do jogo. Osawa-san e Izuno-san deram-nos feedback muito bem pensado sobre o tutorial que no início do jogo apresenta a história ao jogador.

Iwata:

Essa é a parte do jogo a que costumamos chamar, internamente, “a primeira meia hora”. Se não conseguirem atrair o jogador para o jogo logo ao início, não conseguirão obter a resposta que queriam dele, independentemente da quantidade de grandes coisas possa haver no jogo depois disso. É por isso que terão prestado muita atenção a esta secção. (virando-se para Toru Osawa, que está a ouvir a entrevista) Não é assim, Osawa-san?

Osawa:

Sim. Penso que precisam de fazer com que o jogador se sinta feliz e confortável com os controlos e com a estrutura de orientação do tutorial antes de os tentares assustar, senão acabará por ser uma experiência tensa e o jogador não poderá concentrar-se no mundo do jogo. A Tecmo Koei conseguiu criar, na perfeição, os elementos assustadores do jogo. Achámos que a nossa função seria permitir ao jogador apreciar totalmente este medo conduzindo-o para o jogo da forma menos tensa possível. É por isso que nos concentrámos muito no nível de dificuldade e no tutorial inicial.

Iwata Asks
Iwata:

É a velha obsessão da Nintendo com a forma como o jogador é conduzido para o jogo. (risos)

Todos:

(risos)

Iwata:

Mas quando cada um de nós tem ideias fixas diferentes em relação a diferentes aspetos, até ao ponto de outros não compreenderem, isso pode, por vezes, conduzir a uma inovação inesperada e a desenvolvimentos interessantes. Mas, agora, quando olhas para trás e vês o que criaste através deste processo de revisões a grande escala, como te sentes em relação a isso?

Kikuchi:

Sinto que para todos os efeitos, é um jogo novo! (risos) O ponto de vista objetivo que a Nintendo trouxe ao projeto significou que tivemos de acabar por reformular muitos elementos diferentes do jogo a partir dos nossos princípios originais. Fizemos mudanças significativas ao sistema de batalhas e adicionámos episódios novos e vários finais. Também atualizámos os gráficos e incluímos funcionalidades que colocam o jogo na linha da frente no que a jogos de terror diz respeito. Como Shibata gosta de dizer: “Tem tudo.”

Iwata:

Podem dizer-me o que querem dizer exatamente com “tem tudo”?

Shibata:

Bem, quero dizer que incluímos tudo o que queríamos incluir quando criámos o título original, mas acrescentámos também uma dimensão extra em termos do quão assustador, divertido e desafiante é. Então, o que quero dizer é que fizemos tudo o que podíamos, não é um simples remake do original. Incluímos elementos novos como o modo Haunted House, o que o faz parecer um novíssimo jogo de terror.

Iwata:

Poderias falar-me um pouco mais sobre este modo Haunted House?

Kikuchi:

Bem, como o nome sugere, é um modo ideal para um jogo rápido e sem complicações e, para além disso, é ótimo para jogar com amigos e familiares que prefiram evitar coisas mais assustadoras. Há cenários diferentes em que acontecem coisas assustadoras aleatoriamente.

Iwata Asks
Iwata:

Tive oportunidade de passar um pouco de tempo a jogar este modo e achei que se tinham esforçado imenso por tornar os controlos e o sistema de jogo fáceis de apreender, até para jogadores sem qualquer experiência.

Kikuchi:

Primes um botão para caminhares e deixas de o premir para parares; usas o Comando Wii para olhares em volta e é isso. Os controlos são bastante simples.

Iwata:

Osawa-san e Izuno-san pareceram gostar de me ver a jogar esse modo. Osawa-san, suponho que para ti seja divertido ver pessoas a serem chocadas e surpreendidas? (risos)

Osawa:

É precisamente por isso que quis incluir este modo Haunted House. Queria um modo em que pudesses ver as pessoas a assustarem-se e em que elas, por sua vez, pudessem também ver-te assustado. Isto está ligado a algo que sempre senti: que quando estou sozinho e vejo uma coisa assustadora, tenho de pensar: “Estou mesmo assustado!”. Sinto que estou a perder alguma coisa, como um comentário de uma pessoa engraçada, por exemplo, o que para mim é inaceitável. (risos)

Iwata:

“Uma pessoa engraçada”? Como as dos duos de comédia “manzai”?

Osawa:

Bem, quando assisto a um filme de terror, quero vê-lo com outra pessoa, para que possa dizer coisas do género: “Nem me apercebi disso!” ou “Oh não!”. Ao fazê-lo, quero partilhar o sentimento com outras pessoas. É divertido dizer: “Ei, vi-te a saltar da cadeira mesmo agora!” (risos)

Iwata:

Queres partilhar estas emoções com outra pessoa, não é? Mas devo dizer que os acontecimentos na casa assombrada gerados aleatoriamente foram uma decisão bastante ousada. Até agora temos todos feito jogos com a crença de que, uma vez que somos seres humanos a fazer designs específicos, as experiências consequentes são divertidas para os jogadores. Como tal, tinha muitas dúvidas se estes acontecimentos gerados aleatoriamente funcionariam.

Osawa:

Sentimos o mesmo no início e a nossa intenção original era poderes ser tu próprio a criar e a editar os mapas. Mas o problema era que se tivesses tentado um nível antes, já não seria tão divertido. Nessa altura, jogavas um nível e a tua resposta era uma coisa morna do género: “Ah... OK... Estou a ver...”

Iwata:

Bem, não ficava a pensar se um fantasma iria aparecer ou não. Conseguia perceber, até certo ponto, quando estava prestes a aparecer. Lembro-me de dizer: “Não serve de nada se as únicas partes divertidas forem as que tu próprio fizeste.”

Shibata:

E os jogadores que tinham conseguido criar o mapa não podiam receber a devida recompensa ou ter uma sensação de realização.

Osawa:

Apercebemo-nos de que iria ser difícil proceder desta forma, pelo que reconsiderámos a ideia toda. Depois de muitas voltas e reviravoltas, chegámos finalmente à decisão de fazer com que os acontecimentos na Haunted House fossem gerados aleatoriamente. Quando fizemos isso, o timing dos acontecimentos individuais era algo de que nunca nos teríamos lembrado. Diríamos coisas do género: “Isso nunca poderia acontecer! Isso é muito esquisito!”. Havia uma mistura de medo e riso, em que não sabes se estás a achar a experiência divertida ou assustadora. É uma sensação bastante curiosa.

Iwata:

Então emboras estejas assustado, dás por ti a rir. (risos)

Osawa:

Certo! (risos)

Shibata:

Havia muito entusiasmo na fase de testes. A uma certa altura, apareceu um fantasma que não nos lembrávamos de ter feito no sítio mais improvável.

Osawa:

A cabeça incorpórea do fantasma arrastava-se pelo chão. Era, na verdade, um erro no programa que designava o momento e o local em que os fantasmas deveriam aparecer. Dizíamos: “Espera lá! Nós fizemos mesmo isto?”, “Isto é um erro, não é?” ou “Temos de corrigir isto.” Depois outra pessoa dizia: “Não, não. Temos de usar isto!” (risos)

Iwata:

(risos) O inesperado pode acabar por ser incrivelmente valioso.

Osawa:

Sim, tens razão. Ficámos mesmo impressionados com isso. Aconteceu uma coisa inesperada devido a um erro mas decidimos mantê-la no jogo porque funcionava. Esse tipo de abordagem livre lembrou-me bastante dos velhos tempos da Famicom.