Parte 3

 

Muito bem, termina assim a introdução à minha história de desenvolvimento de jogos. Agora, gostaria de voltar ao tópico de hoje.

Iwata Asks

 

Porque é que alguém como eu está aqui hoje? Em que é que o Iwata estava a pensar?

Na verdade, Iwata ficou curioso sobre os meus métodos de desenvolvimento de jogos, e isso fez-me pensar no tema da palestra de hoje.

Iwata queria saber como é que uma pessoa podia trabalhar num jogo sério, com uma história envolvente, como “METROID: Other M”, e, ao mesmo tempo, trabalhar em títulos cómicos e excêntricos, como “TOMODACHI COLLECTION” e “WarioWare: D.I.Y.”. Procurava uma explicação para a minha atitude e abordagem, quando criava jogos que eram completamente opostos.

Iwata Asks

 

“Explorar o segredo de criar jogos para uma gama tão dinâmica de títulos deve dar origem a algo interessante. Porque é que não falas disso na GDC?”

Quando o Sr. Iwata me sugeriu isso, fiquei ligeiramente perplexo, sobretudo porque nunca tinha pensado activamente nisso.

É verdade que os estilos são completamente diferentes. Isso foi algo que as pessoas me disseram várias vezes. Qual foi a minha abordagem como produtor em cada um desses títulos? E o que significa ser produtor, afinal? Depois de pensar activamente no assunto, descobri que é difícil responder a essa pergunta. Não sou particularmente bom a aplicar lógica a acções intuitivas, mas, dado que tive esta oportunidade... Decidi analisar “as minhas próprias ideias sobre a criação de jogos.”

Iwata Asks

 

Muito bem, para ajudar na explicação, gostaria de dar nomes a estes jogos de tipos diferentes. Vou chamar “sérios” aos jogos semelhantes a METROID e “cómicos” aos semelhantes a “Wario”. A propósito, Iwata não acha estranho que eu consiga trabalhar em projectos opostos, quer “sérios” quer “cómicos”. Acha apenas curioso que eu seja capaz de criar algo com um “lado sério”. Sei bem que Iwata pensa em mim apenas como “alguém com um toque cómico”.

Iwata Asks

 

Gostava de aproveitar para falar de um realizador que descobri na minha juventude. Chama-se Dario Argento17 e é um realizador italiano. É mais conhecido pelos filmes Suspiria18 e O Mistério da Casa Assombrada19. Sem dúvida, O Mistério da Casa Assombrada foi o que inspirou mais o meu processo criativo. Sempre me interessei por filmes de terror, mas, na altura, não havia um que me agradasse. Sempre senti alguma frustração, porque me faziam sempre sentir que “faltava alguma coisa”. Isso foi antes de descobrir os filmes de Argento. Fiquei muito surpreendido com a originalidade da técnica dele. O estilo que sempre procurei estava lá. Descobri que não havia dúvida de que queria criar algo como Argento criou. Foi assim que compreendi os componentes da técnica dele.

17 Dario Argento é um realizador italiano, que esteve envolvido em vários filmes de terror.

18 Suspiria foi um filme de terror lançado em 1977. Tornou-se conhecido pela sua máxima (traduzida do japonês) “certifique-se de que não o vê sozinho”.

19 O Mistério da Casa Assombrada foi lançado no Japão, em 1978, e distribuído como “Suspiria Parte 2”.


Um criador pode controlar o “ambiente”, o “tempo”, as “premonições” e o “contraste”, para assustar a audiência. O “ambiente” pode ser criado pela música escolhida. Argento usou rock progressivo20. O eco quase indiferente do som rígido e robótico do rock progressivo faz sobressair o sentimento de terror na audiência e é muito mais eficaz do que a música usada em qualquer outro filme de terror. E Argento parou a música, de forma eficaz, em momentos muito específicos das suas cenas e fez coisas como usar efeitos sonoros para mudar o ambiente.

20 Rock progressivo é um género de música rock, que teve sobretudo origem no Reino Unido, no final da década de 1960. Adopta elementos de música clássica e jazz, e usa composições e frases complexas.


Além disso, também era meticuloso no uso de certos truques para aumentar o sentimento de medo. Por outras palavras, era um mestre a usar “premonições”, para ligar uns acontecimentos aos outros de forma eficaz.

E contrastou narrativas e cenas de forma dramática, para aumentar o sentimento de tensão. Após ter a minha sensibilidade estimulada de forma tão forte pelo trabalho de Argento, na minha juventude, tive oportunidades para reflectir essas inspirações no meu trabalho. No previamente mencionado “Famicom Detective Club Part II, the Girl Standing Behind,” controlei o ambiente, o tempo, as premonições e o contraste. Por outras palavras, este título foi a minha homenagem ao trabalho de Argento.


Esta experiência permitiu-me ganhar confiança na minha capacidade de produzir um jogo, e continuei a usar essa abordagem nos títulos seguintes. O meu projecto mais recente, “METROID: Other M”, não é excepção.


Percebi cedo que esta técnica de controlar o ambiente, o tempo, as premonições e o contraste, com a qual contei ao longo da minha carreira de criador de jogos, não tem nada de especial ou diferente. Contudo, partilho isto para mostrar como tinha o desejo profundo de encontrar o método ideal de transmitir medo e como isso me fez encontrar o meu próprio estilo criativo. Lembrei-me disso enquanto escrevia este discurso. Após encontrar a minha própria sensibilidade e o meu estilo criativo, quis transmiti-lo a alguém.

Iwata Asks

 

Depois de ver os filmes de Argento, comecei a ver muitos filmes. Procurava várias maneiras de controlar o ambiente, o tempo, as premonições e o contraste, e não apenas em filmes de terror. Vi filmes de géneros muito diferentes. Descobri que também há muitas pistas escondidas em filmes de culto. Penso que foi nessa altura que a capacidade de criar imagens na minha cabeça – podemos até dizer de sonhar acordado – se tornou mais forte. Pode parecer uma piada, mas comecei a ter sonhos do ponto de vista de uma objectiva, com cenas editadas e música de fundo. Na altura, procurava ansioso por um bom filme, mas não me sentia atraído pelas grandes produções de Hollywood. E esse sentimento é ainda mais forte agora. Talvez a minha afinidade por nichos de mercado vá para além dos jogos?

Iwata Asks

 

A propósito, há outros realizadores e filmes que me inspiraram.

Também encontrei inspiração nos filmes do francês Luc Besson21. Gosto muito da capacidade dele de retratar a tristeza como algo profundo e bonito. O meu filme preferido de Besson é “Léon: O Profissional”22. Outro realizador que adoro é John Woo23, que trabalha actualmente em Hollywood. Os filmes de Woo da série “Crime em Hong Kong”24, que criou quando trabalhava em Hong Kong, afectaram-me de forma particular. A tristeza que transparece do caos que ele cria é magnífica. Tinha muito mais para aprender com as imagens quase dolorosas que surgiam dos filmes de Hong Kong da altura. Também fui inspirado por Brian De Palma25. A última cena intensa de Carrie26 foi um marco importante para mim.

21 Luc Besson é um realizador francês, responsável por filmes como Léon: O Profissional e Correio de Risco.

22 Léon foi um filme de acção lançado em 1995, com Jean Reno e Natalie Portman.

23 John Woo é um realizador chinês, responsável por filmes como A Outra Face, Missão Impossível 2 e A Batalha de Red Cliff.

24 Crime em Hong Kong foi um filme de acção lançado em 1987, com Ti Lung e Chow Yun-fat, realizado por John Woo.

25 Brian de Palma é um realizador norte-americano, responsável por filmes como A Força do Poder, Os Intocáveis e Missão Impossível.

26 Carrie é uma adaptação cinematográfica, de 1977, de um romance de terror de Stephen King. Foi realizado por Brian de Palma.


Deixem-me dizer mais uma coisa sobre cinema. Vi muitos filmes e fui influenciado por eles de muitas maneiras, mas não sou fanático de cinema. Não vi todos os filmes dos realizadores mencionados e não vi mais filmes do que a maior parte das pessoas. Tenho uma grande admiração por estes realizadores, mas não tenho um complexo por causa disso nem me esforço por ser um deles. Senti-me apenas inspirado e influenciado pelos seus filmes, e isso inspirou a minha maneira de criar jogos. Ajudaram a fazer sobressair isso em mim.


Se começar a falar disso, não vou conseguir parar, por isso fico-me por aqui. Pode parecer presunçoso, mas acredito que o impacto que estes grandes realizadores tiveram em mim é evidente, ao longo dos títulos nos quais trabalhei. Espero secretamente que os jogadores reparem nessas influências, quando jogarem “Other M” num futuro próximo.

Iwata Asks

 

Apesar de ter procurado inspiração no cinema, não é apenas isso que me interessa. Entre muitos outros passatempos, sou há muito tempo um fã de música, sobretudo por causa da forma como pode ser associada a imagens. Há um outro passatempo que tenho desde novo e que continuo a ter. Chama-se “comédia”.

Adoro coisas engraçadas e que me façam rir. Há uma gargalhada escondida aqui? Posso encontrar algo engraçado nisto? Passo grande parte do meu dia nesta procura. Se me perguntarem se me quero rir, claro que respondo que quero, mas, na verdade, também quero fazer as pessoas rir. Contudo, não sou um comediante e não posso pôr uma multidão a rir. Fico feliz por melhorar um pouco o meu dia e entreter as pessoas que me rodeiam... É só isso que quero fazer. Ao dizer isto, podem pensar que levo a situação de ânimo leve, mas, na verdade, sou bastante meticuloso.

Trabalho constantemente para refinar os meus sentidos e, quando encontro material que posso usar, guardo-o para mais tarde. Reúno material o mais variado possível, para se adaptar a qualquer situação ou audiência. Contudo, certifico-me de que aquilo que guardo se adequa ao meu estilo pessoal.

E, quando me lembro, uso o meu melhor material e simulo na minha cabeça a situação onde o poderia usar para obter melhores resultados. Nunca pensei porque reflicto tanto no assunto, mas, após analisar esse factor para fazer este discurso, percebi que quero controlar a reacção da audiência. Quero planear a “gargalhada”.

Além disso, em última análise, as técnicas usadas são ambiente, tempo, premonições e contraste. Neste caso, em vez de CRIAR um ambiente para uma cena, é melhor analisar o ambiente já existente e dar-lhe espaço para respirar. O tempo é muito importante na comédia. Por exemplo, num grupo de pessoas, há um momento em que todos estão calados, uma pausa na conversa, e, se o falharmos, perde-se para sempre. Guiar uma conversa para preparar a piada perfeita é uma técnica semelhante às premonições de um autor. E não preciso de dizer como é importante criar contraste com alguma urgência.

Iwata Asks

 

Penso que nos aproximamos “daquilo que Iwata considera curioso no meu estilo de fazer jogos”. Sinto que o meu gosto pela comédia e a influência do cinema afectaram a forma como abordo jogos “cómicos” e jogos “sérios”. Usando as palavras de Iwata, são jogos completamente opostos. Sendo assim, terei adoptado uma posição ou abordagem particular para lidar com eles?

Sejam sérias ou cómicas, reajo sempre de maneira forte a coisas que estimulam o meu interesse. E, quando penso que posso vir a usar isto mais tarde, guardo o material e espero pelo momento oportuno para o recuperar. Os métodos ou estratégias usados são iguais. Controlo o “ambiente”, o “tempo”, as “premonições” e o “contraste”.

Pensar que uma coisa é engraçada, fixe ou assustadora é algo que mexe com os nossos sentimentos. E o mecanismo para fazer com que alguém chegue a esse ponto faz parte do mesmo processo, seja qual for o tipo de sentimento.

Assim, um criador tem de pensar nas emoções da audiência e controlar esses mecanismos.

E, para usar eficazmente esse controlo, temos de passar por várias experiências e senti-las nos seus próprios contextos. Adoptar essa atitude no quotidiano dar-nos-á inevitavelmente muito material com que trabalhar.

Assim, respondendo à pergunta de Iwata, penso que posso explicar da seguinte forma: por acaso, sou uma pessoa que gosta do sério e do cómico, dois géneros opostos, e sinto-me afortunado por me terem sido oferecidas estas oportunidades.

Para resumir o tema de hoje, “o que é que Iwata considera curioso no meu estilo de fazer jogos”...

Iwata Asks

 

Quando é a diferença de posição e abordagem que uso quando crio jogos que são completamente opostos? Para responder à pergunta de Iwata...

A resposta é: “Não existe uma diferença na minha posição ou abordagem.”

Trata-se mais de técnica.

Penso que essa é a verdadeira resposta.

“Desde que estejamos abertos à possibilidade de novas experiências e dispostos a senti-las de uma forma intensa, podemos usar um único conjunto de ferramentas para criar obras que comovam as pessoas de maneiras muito diferentes.”

Gostava de deixar que decidissem se isto é correcto ou não.