1. Criar laços com o pai

Iwata:

Gostaria de fazer algumas perguntas a Ono-san da Capcom: a pessoa por detrás de Street Fighter IV.1 Ono-san, muito obrigado pela tua presença. 1 Street Fighter IV: Jogo de luta desenvolvido pela Capcom Co., Ltd. O jogo arcade surgiu em 2008 e a versão para as consolas domésticas surgiu em 2009. Este título é o quarto da série, no entanto, há um lapso de nove anos entre ele e o último lançamento.

Ono:

Ora essa, eu é que agradeço.

Iwata:

Hoje gostaria de colocar algumas questões sobre o jogo Super Street Fighter IV 3D Edition2. Para compreender um produto, nada melhor do que conhecer as pessoas que o criaram. É muito importante saber por que experiências passaram e quais as suas motivações na altura da criação do produto. Em primeiro lugar, gostava de saber como foi o teu primeiro contacto com videojogos, Ono-san. 2 Super Street Fighter IV 3D Edition: A mais recente adição à série Street Fighter, tendo sido lançada em simultâneo com a consola Nintendo 3DS no dia 25 de março de 2011 na Europa.

Ono:

Ah, está bem. (risos)

Iwata:

Quando foi a tua primeira experiência com videojogos?

Ono:

A de que me lembro mais vividamente foi com o jogo Space Invaders.3 Todos os domingos de manhã, a minha família ia ao café do bairro tomar o pequeno-almoço e esse café tinha o Space Invaders. 3 Space Invaders: Jogo arcade lançado pela Taito Corp. em 1978.

Iwata Asks
Iwata:

E que idade tinhas?

Ono:

Acho que estava na quarta classe da escola primária. Se calhar estou a contar coisas demasiado pessoais, mas o meu pai era arquiteto e a minha mãe também trabalhava. Como eu estudava muito aos fins de semana e jogava basebol não nos víamos muito. Por isso, decidimos passar tempo juntos aos domingos de manhã e assim fizemos. Como tinha estudado engenharia, o meu pai interessava-se muito por videojogos por ser uma tecnologia recente. Divertíamo-nos imenso a competir um com o outro.

Iwata:

Então pode-se dizer que criaste um “laço com o pai” através dos videojogos.

Ono:

Mas não falávamos muito, afinal éramos só dois tipos numa manhã de domingo. (risos) Mas a nossa forma de comunicação e o facto de a nossa competição se basear em algo eletrónico tornava toda a experiência emocionante.

Iwata:

Portanto, as tuas raízes estão no espírito competitivo. Tornaste-te um perito em videojogos por isso?

Iwata Asks
Ono:

Bem, sim. Quando era pequeno, conseguia seguir com os olhos objetos que se moviam a alta velocidade. (risos) Lembro-me perfeitamente de quando começaram a surgir mais cabines para o Space Invaders em várias lojas lá no bairro. Começou a crescer uma comunidade de jogadores e eu ia fazendo perguntas sobre as condições do jogo, como por exemplo “Qual é a altura em que se obtém o máximo de pontos possível do óvni bónus?” E, deste modo, competia ainda mais arduamente com o meu pai.

Iwata:

Ah, estou a ver. Dizia-se que era no vigésimo terceiro projétil e a cada quinze depois desse que se obtinha mais pontos com o óvni. E como ocorreu a tua primeira experiência com uma consola doméstica?

Ono:

Foi provavelmente na altura em que o Space Invaders e outros títulos do género se tornaram jogos LSI que se podiam jogar em casa.4 Já não tínhamos de fazer montinhos de moedas de 100 ienes na mesa do café e eu já não precisava de fazer massagens às costas do meu pai durante duas horas. (risos) (Nota de edição: Em muitos lares japoneses, as crianças fazem frequentemente massagens ao pai e à mãe em troca de algum dinheiro para gastos do quotidiano.) 4 Jogo LSI: Sistema de jogo com integração em grande escala.

Iwata:

Também me lembro de ver as pessoas a fazer montinhos de moedas de 100 ienes nas mesas dos cafés.

Ono:

Pois é. Na altura, olhava para os estudantes da escola secundária e da universidade com as suas moedas de 100 ienes e pareciam-me muito maturos. Quando arranjámos uma consola doméstica lá para casa, os meus interesses começaram a desviar-se para os computadores pessoais (PC). Comecei a fazer jogos nos computadores porque achei que se os fizesse sozinho seriam de graça! Mas os computadores ainda eram muito caros e os meus pais não me quiseram comprar um. Ao tocar nos modelos de exposição em lojas de eletrónica, ao fazer jogos e ao competir apercebi-me de que os videojogos eram mesmo espetaculares. Eventualmente, a consola Famicom foi lançada mas, nessa altura, eu já era um perito em PCs.

Iwata:

Então, para ti, a Famicom não chegava aos pés do PC?

Ono:

Acho que era um utilizador de PCs muito orgulhoso. Mas quando alguns dos jogos que a NAMCO criou na altura saíram, fiquei curioso e quis saber como faziam certas coisas. Nem queria acreditar no tipo de imagens e animações que conseguiam apresentar utilizando a tecnologia de então.

Iwata:

Chegaste a essa conclusão porque estavas a programar o PC. A Famicom era como um brinquedo para a família, mas as imagens eram mais suaves que as do PC e a reprodução de jogos arcade era muito boa. E foi por isso que te questionaste como é que eles o tinham conseguido?

Ono:

É verdade. Fiquei tão impressionado que comecei a jogar na Famicom, mas comecei bem mais tarde do que as outras pessoas. Como toda a gente andava a jogar Donkey Kong5 ou Mario Bros.6, comecei por arranjar os cartuchos desses jogos. Não me interessavam tanto os jogos, mas a tecnologia. Na altura, a Sharp Corp. tinha um computador chamado X1, que era muito bom na gestão de memória VRAM.7 Tentei utilizá-lo para recriá-lo, desmontando o software que se vendia na altura.8 5 Donkey Kong: Jogo de ação lançado para a consola Famicom em 1983 no Japão. 6 Mario Bros.: Jogo de ação lançado para a consola Famicom em 1983 no Japão. 7 VRAM: “Video Random Access Memory”. Tipo de memória que armazena os dados visuais mostrados no ecrã. 8 Desmontar: Inverter linguagem máquina (listas de números) para montar linguagem escrita em textos passíveis de serem lidos por humanos. Tipo de linguagem de programação que corresponde um para um a uma linguagem que o computador consegue interpretar e executar diretamente (linguagem máquina). A linguagem mais próxima dos computadores.

Iwata Asks
Iwata:

Desmontar! Uau, que memórias que isso me traz. Lembro-me de ter o meu primeiro computador, um PET, e desmontá-lo para tentar analisá-lo. Não tínhamos impressoras na altura, por isso copiei tudo o que estava no ecrã à mão. Nem acredito que o fiz. (risos) Foi assim que descobri o que se passava lá dentro.

Ono:

Uau, espetacular! (risos)

Iwata:

E, por acaso, o computador e a Famicom tinham o mesmo CPU. Por isso é que, quando comecei a trabalhar na Nintendo, sabia mais sobre o 65029 do que qualquer outra pessoa da empresa. 9 6502: CPU utilizado em computadores, tais como o Apple II ou ainda o PET 2001. A consola Famicom tinha um CPU compatível.

Ono:

Ah, estou a ver. (risos) Graças à minha aprendizagem na área da programação, conseguia perceber de modo geral o que os programadores diziam.

Iwata:

É muito útil quando se faz debug. Quando ocorre um erro, começas a perceber o que é que o está a causar exatamente.

Ono:

Também começas a perceber em que partes da programação deves e não deves mexer.

Iwata:

É começar a compreender coisas como “se mexer aqui vai afetar aquilo ali” ou “se mudar esta parte vou estragar aquela.”

Ono:

Sim. É um problema que afeta os programadores, com quem me solidarizo. (risos)